quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Baralho Incompleto

O homem que me ensinou a jogar morreu hoje. Em poucos minutos de agonia, ele ainda teve tempo de contemplar as dezessete palmeiras imperias que se erguiam imponentes em frente à janela do seu leito. O céu estava azul. O homem que me ensinou a jogar era pequeno, sereno, canelas finas e possuía mãos ágeis, capazes de confundir qualquer adversário que ousasse piscar os olhos em sua frente. Era detentor de uma sabedoria incrível e deixou para revelar seus últimos ensinamentos no apagar das luzes, um dia antes da cortina da vida se fechar sobre seus olhos, que já não enxergavam mais nada. Ele teve tempo de viver, de amar, de sorrir, de chorar, de aprender e ensinar. Assim o fez. Teve tempo de se despedir de quase todos aqueles que passaram com ele seus últimos momentos.
Hoje, 05 de Abril de 2011, o baralho da minha vida perde um coringa.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Reinas em absoluto enquanto dormes
E traz em mim todos os sonhos do mundo.
Distante, neste quarto profundo,
Você me faz esquecer que na vida se sofre.

És sim, de fato, aquela que espero
Por todo sempre, se necessário fosse
Para agradecer a alegria que me trouxe
Só de escutar as palavras: “-Eu quero”

E mesmo longe, se a saudade persistir,
Trago-a no peito, comigo, contente
Sabendo que outrora terei de partir,
Volto para, em seus braços, crucificar-me novamente.

segunda-feira, 14 de março de 2011

GUERRA FRIA NO TABULEIRO DE XADREZ
(Um Pouco de História...)


A Guerra Fria foi um período homogêneo e único na História do Mundo, chegando a ser entendida por Historiadores, como a “Terceira Guerra Mundial”. Essa expressão era utilizada para descrever o estado de forte tensão político-militar entre o bloco Ocidental, liderado pelos Estados Unidos e o bloco de Leste, cuja posição de líder era ocupada pela antiga União Soviética (URSS), que se manteve viva durante quase toda a segunda metade do século XX. Embora nunca se tenha chegado ao confronto armado entre os dois blocos, as agressões mútuas, entre as quais se destacam a corrida aos armamentos, a intervenção em diversos conflitos, como a Guerra da Coréia, a Guerra do Vietnam, a Guerra de Angola, a Crise dos Mísseis em Cuba e a questão de Berlim, faziam parecer que um novo conflito estava iminente.
    As duas Guerras Mundiais puseram fim à longa hegemonia européia, dando origem a uma Nova Ordem Mundial e uma nova divisão no planeta. Esse período teve a duração de quarenta e cinco anos que se estendem desde o lançamento das duas bombas atômicas, em Hiroshima e Nagazaky, até o final da União Soviética, com o triunfo do capitalismo.
Nesse contexto, Estados Unidos e União Soviética iniciaram conflitos nas mais diversas áreas, a exemplo da corrida armamentista citada anterioemente, que teve como principal conseqüência a dissipação das armas por todo o mundo; da corrida espacial, onde os soviéticos conseguiram enviar o primeiro ser vivo ao espaço (a cadela Laika), ferindo profundamente o ego norte-americano, que posteriormente enviou o primeiro homem à lua, além de uma vasta produção cinematográfica de ambos os lados, onde esse confronto era retratado de forma nítida nos personagens. Nos filmes soviéticos, havia um ataque ao capitalismo e aos males causados por ele, ao passo que os norte-americanos e os países que aderiram à sua economia de mercado vibravam com a atuação(e vendas) do Superman e do Capitão América, criados no intuito de representar os Estados Unidos como “salvador do mundo”.
Um campo muito importante que não é comentado, mas que havia um embate bastante forte entre soviéticos e norte-americanos é o xadrez. Em 1972 foi disputado em Reykjavich, capital da Islândia, o match pelo Campeonato Mundial de Xadrez envolvendo um norte-americano, Bobby Fischer e um Soviético, Boris Spasski, atual campeão mundial da época. Como o xadrez representava a capacidade intelectual, a inteligência, a ciência, a arte, ou seja, todas expressões culturais, artísticas e intelectuais, a vitória significaria uma grande conquista para o bloco vencedor, já que este a usaria  para sobrepujar a capacidade intelectual do inimigo. Neste sentido, o que estava em jogo neste combate era a soberania intelectual das nações. Essa situação era completamente nova no cenário mundial, pois os dois países tinham reais chances de saírem vitoriosos, uma vez que os soviéticos eram os atuais campeões do mundo, e contavam com Boris Spassky e os Estados Unidos encontravam-se bem representados pelo lendário Bobby Fischer. Havia uma oportunidade única para que o trono fosse adquirido. Para que o confronto ocorresse, foram feitos diversos acordos entre o alto escalão dos dois governos, desde ao local de jogo, um ambiente neutro, até a posição das cadeiras. A partida foi marcada pela geniosidade de Fischer. Ele reclamava a todo instante, desde uma câmera de vídeo que, segundo ele, estavam tirando a sua concentração, até o estofado de sua cadeira.
Fischer ameaçou abandonar a partida após um desentendimento com um dos organizadores. Essa estratégia serviu para desviar a atenção do seu oponente e para conseguir tempo para raciocinar. Desse modo, ele conseguiu sair de uma posição de desvantagem no jogo e vencer Boris Spassky de uma maneira esmagadora, tornando-se o primeiro e único norte-americano Campeão Mundial de Xadrez.
Desta maneira, podemos evidenciar as diversas áreas e as diversas situações em que soviéticos e norte-americanos travavam verdadeiras batalhas um contra o outro. As circunstâncias em que esses combates aconteciam nos possibilita imaginar a dimensão dos investimentos que eram feitos no intuito de uma nação superar a outra. Enquanto o mundo assistia a criação da ONU, da OTAN, do Pacto de Varsóvia, do Plano Colombo e de outros mecanismos ataque/defesa de ambas as nações, o conflito entre elas se enveredava por caminhos menores, mas não menos importante, cujo  sentido era tentar mostrar ao mundo quem era mais forte, mais poderoso e, sobretudo, detinha o maior coeficiente intelectual do mundo.






domingo, 16 de janeiro de 2011


Voltando pra Casa

Ele fitou-a. Viu como estava linda. Um pouco envelhecida, mas linda. Havia uma ruga bem pequenina no canto de sua boca, um simples traço que a saudade quis desenhar para que ela nunca se esquecesse dos bons tempos que ambos passaram naquelas duas pequenas cidades, quase gêmeas, cravadas naquele vale cortado por um imponente rio que morria pouco a pouco.
A poeira da idade começava a cair sobre os cabelos dela, já não eram mais tão negros e tão lustrosos. O sorriso, bem, este continuava o mesmo. Quadrado, cheio de vida, cheio de energia, cheio de promessas, cheio de alegria. No nariz, havia o piercing que ela sempre sonhou em colocar desde os tempos de garota, mas seu pai era radicalmente contra e ela sempre fora um filha obediente, embora muitas vezes birrenta.
Não era feia nem bonita. Em verdade, mais engraçada do que bonita, o que lhe rendia boas risadas que lhe ajudavam a preservar seu corpo durante todos aqueles anos e uma boa quantidade de amigos ao seu redor, ou simplesmente pessoas em desespero que queriam um pouco da sua energia para enfrentar as amarguras diárias de uma vida demasiadamente material.
- Você pôs uma tatuagem... – Comentou Felipe enquanto o vento esvoaçava os cabelos de Clara, como ele costumava fazer quando estavam sozinhos, perambulando pela cidade vazia.
- Você também. – Falou Clara apontando para o braço do rapaz.
Riram. Sabiam que seus respectivos pais dirigiam olhares de reprovação às suas expressões corporais, cabelos (ausência, no caso dele), brincos, piercings e com certeza dirigiriam também às suas tatuagens.
- Vamos para casa, já está ficando frio. Você fez uma longa viagem, deve estar cansado...
A casa se encontrava de portas abertas, sem ninguém dentro. Uma casa simples e confortável. Fresca no verão e quente no inverno. Pelo chão, estendia-se uma imensa mandala que ambos haviam construído em outros tempos com pedaços de azulejo e restos de pisos quebrados, um imenso mosaico majestoso que gerava um clima de paz e harmonia naquele ambiente que não era grande nem pequeno. Ali não havia excessos. Havia muito verde e muitos livros. Havia um violão velho sem a primeira corda, poltronas na sala de televisão e uma escada que dava para os quartos no andar de cima. 
Ela estava usando óculos para ler. Desde quando começou a se queixar que estava sentindo dores de cabeça ao passar muito tempo lendo e que isso estava refletindo nos seus escritos. Realmente a idade havia chegado para ambos, muito mais cedo no caso dele, que envelheceu precocemente de tanto ouvi-la dizer que já estava velho. Mas sempre com muito bom humor e toda a dignidade que a falta de cabelos lhe proporcionava.
Sim, ele havia envelhecido em meio às atrocidades da Guerra, que o destroçou, transformou seu corpo em um resto, jogado, largado em meio à lama, ao barulho dos tiros e explosões e ao cheiro de pólvora, em plena Normandia. Ele percebeu que as cores do uniforme militar que usou em outrora formava agora o belo dégradé. O corpo branco dela, vestido com uma camisa tamanho “G” masculina e marrom, coberto com uma manta também marrom num tom mais claro, sob um lençol cuja cor não identificada, variante da mistura de marrom com cáqui.
Naquele momento ele acabara de notar que estava começando a querer e a gostar de viver. Percebeu que a felicidade está nas coisas simples, no “bom dia”, no abraço, no café, no carinho dos filhos que nunca tivera, nos amigos e na família, da qual ele sempre andou ausente. Percebeu que não adiantou passar a vida inteira juntando dinheiro e glória e que de nada valia aquelas medalhas que colecionou durante toda vida. Ele estava feliz em voltar para casa. Não queria mais voltar a encarar a fera que habita dentro dos homens nem a devastação que esses conseguem fazer com seus semelhantes. Lembrou das atrocidades que viu serem cometidas. Chorou. Chorou de alivio por tudo aquilo ter acabado para ele. Chorou por estar de volta na casa em que ele havia morado durante toda sua vida, onde envelhecera e onde haveria demorar durante o resto dos seus dias. Ele estava começando a querer e a gostar de viver.

(fragmento do meu livro. Hehehe...)


terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Sobre Escrever

“E, de qualquer forma, às cegas, às tontas, tenho feito o que acredito, do jeito talvez torto que sei fazer...”
Caio F.

Escrever dói. É doloroso também lapidar de quem só queria tentar entender, de quem só queria tentar explicar. Explicar aquilo que sentia, aquilo que não sabia ao certo como fazer. E assim o fazia, colocando pensamentos em folhas de papel pautado e exportando para longe, como se eu quisesse me libertar do ser e do não ser.
Isso acabou.
Sem ombros curvados de agora em diante. Cabeça erguida, olhos no futuro. Meu coração não suporta mais tanto silêncio, já fui parar no hospital duas vezes por causa dele. Já não tem mais espaço para tantas palavras aqui dentro...
Por tudo que foi escrito e jogado fora, pela minha fantasia, pelo meu medo, quanto vou pagar?

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

ADEUS

       Ela havia ido embora. Não havia mais nada a fazer.
       Por vaidade, ela escondia o pior dela. Escondia seus defeitos, suas imperfeições, seus medos, suas angústias, suas fraquezas e tudo aquilo que ela não queria demonstrar. Mas ela sempre se arrependia, pois acabava se tornando a progenitora daquilo que odiava. Ela odiava criar expectativas alheias. Lapidada para ser diamante bruto, ela estava longe de ser perfeita e ele sabia disso, mas ele não se importava, apenas gostava dela.
       Por falta de respeito, as verdades dela eram a única coisa que cabiam no mundo, o mundo que ela criou e do qual fazia parte incondicional. Ela era cabeça dura... Mas ele via que ela tinha personalidade, que era autêntica, decidida, firme e tudo mais aquilo que ele queria ser, ou que ele precisava que estivesse ao lado dele.
       Por brutalidade, ela cuspia palavras ásperas e acabava machucando todos que estavam à sua volta. Era bruta flor. Por ser diamante bruto, ela não se deixaria lapidar pelas lágrimas do rapaz, pois ela havia sido lapidada para ser inquebrável.
       Por vergonha, ela nunca se deixava ser desvendada. Ela nunca havia se sentido tão nua como naqueles últimos meses e isso doía muito. Ela preferia que a despissem e que a vissem com os próprios olhos, pois acreditava piamente que isso doía menos...
       Mas nada disso adiantava mais. De tudo isso, restou apenas o último sorriso e a explicação breve de que ela não o queria mais. A explicação breve fez com que ele demorasse a processar a informação. Ele sabia que ela era decidida e que não ficou vermelha como ele no início do namoro. Ela não vacilou, não sorriu nem demonstrou fraqueza. Ela era realmente forte e ele lamentavelmente fraco.
       Ela havia ido embora. O que se havia de fazer?
Talvez ela realmente não tivesse ido embora. Estar longe não significava necessariamente que ela não se sentisse perto. Ninguém sabe, exceto aquele a quem a dor escolhe, o que é sentir-se nu de fragilidade exposto a todos os gritos de agonia da alma, agora tão só. Ser Bruta Flor não significa que as pétalas não lhe faltem e que os espinhos não lhe machuquem. O adeus breve talvez fosse apenas por ela pensar que clareza e poucas palavras doessem menos.
Não doem.
       As lembranças constituem aquilo que somos. O passado nunca nos abandona de fato, pois apesar de não sermos os mesmos a cada dia, não excluímos aquilo que nos tornamos, porque enquanto houver lembranças e sentimentos saberemos quem somos. Ele havia se transformado na memória mais colorida. E quando ela lhe pedia um sorriso, era para guardar decorado... Para que quando fechasse os olhos pudesse não só vê-lo como senti-lo. Com alegria, fechava os olhos. No entanto, cada pulsar de memória que agora lhe chegava era aflição aguda em seu corpo desejoso por lágrimas que não existiam.
Por fraqueza, não chorava.
O que ela era talvez estivesse perdido em alguma esquina anacrônica de seus pensamentos. Não havia mais proteção na madrugada que lhe tornava vazia. Não havia alívio para a dor tão abstrata do outro que lhe flechava o seu sentir principal. Não havia força nas palavras. Não havia mais o jardim no pensamento e as frutas no coração. Por dentro, um verde morto.
Pequena em seu ser, sorria para não se revoltar. Quando se sabe, mesmo que pouco, do que virá, alivia. Da mesma forma que quando se sabe, mesmo que pouco, do que será, dói! O futuro acabou se tornando o seu espinho mais incômodo. Sabia que teria que se resignar, mas gritava aos segundos do tempo que este não lhe parecia mais eterno. Seu silêncio vestido de calma, não passava de falta de ação frente ao seu vulcão fervilhante de sentidos cortantes.
Por fraqueza, não sabia demonstrar que eram sentimentos.
Com desgosto fechava os olhos para ter certeza aflita que não lhe pertencia mais senti-lo.
No final, o mais frágil dos seres. Aquela que não soube dar adeus.